Operadoras têm de pagar R$ 22,6 bi se migrarem telefonia fixa para o regime privado, calcula Anatel

Empresas contestam, e valor ainda pode mudar. Atualmente, telefonia fixa funciona em regime de concessão, com preços regulados pelos setor público; no regime privado, preços seriam livres. Na mesma semana em que estreia no país a internet móvel de quinta geração — o 5G “puro”, chamado de “standalone” –, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e as operadoras voltam suas atenções para tentar resolver um tema que vem do século passado: a migração da telefonia fixa do regime público para o privado.
A agência calculou que as operadores devem pagar R$ 22,6 bilhões para efetivar a mudança, mas as empresas contestam o valor.
A migração é opcional. Caso não seja feita, a Anatel terá de realizar uma nova licitação para garantir a continuidade do serviço.
O regime de concessão de telefonia fixa em vigor atualmente tem tarifas reguladas pelo setor público.
As concessões terminam em 2025. A Lei Geral de Telecomunicações prevê a possibilidade de as atuais concessionárias mudarem seus contratos para autorizações, em regime privado. Nesse novo regime, haveria liberdade de preços.
Só que, no entendimento da Anatel, há um saldo a ser pago pelas operadoras, caso optem por fazer essa conversão. Parte das empresas alega que a Anatel é a devedora (entenda mais abaixo).
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O que muda para os clientes
O regime de concessão de telefonia fixa prevê tarifas reguladas e algumas obrigações consideradas obsoletas, como manutenção de telefones públicos (orelhões). Nesse regime, é necessário fazer licitação e o contrato não pode ser rompido unilateralmente.
Já o regime de autorização permite o princípio do livre mercado para a definição de preços na prestação do serviço, como já acontece no mercado de telefonia móvel, por exemplo. Também haverá obrigações a cumprir, mas no sentido de massificar a internet de banda larga.
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Na autorização, não é necessário fazer licitação e o contrato pode ser rompido pelo poder público caso a empresa não cumpra com as obrigações previstas.
No regime privado, as empresas terão maior liberdade para definição dos preços, já que hoje as tarifas de telefonia fixa são reguladas pela Anatel.
A agência quer que as operadoras decidam até abril de 2023 se migram de regime ou não. A agência tem pressa, porque, caso as empresas decidam devolver às concessões, terá de fazer um novo leilão para garantir a continuidade do serviço de telefonia fixa no Brasil.
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Saldo calculado pela Anatel
A origem do saldo devedor são os bens reversíveis, ou seja, todos os bens que as operadoras usam para prestar o serviço de telefonia fixa.
Essa é uma discussão antiga do setor. Na privatização da Telebras, na década de 90, estava previsto que esses bens seriam devolvidos à União ao fim da concessão. Porém, com o tempo, foi permitido que as empresas ficassem com tudo quando optassem pela migração. A lei autorizando esse dispositivo, que mudou a Lei Geral de Telecomunicações, foi aprovada em 2019.
Em troca, as empresas devem intensificar os investimentos em banda larga, especialmente em cidades do interior. Pela lei, o valor é calculado pela Anatel, com base, por exemplo, no valor dos bens reversíveis.
A Anatel confirmou o valor de R$ 22,6 bilhões em reunião extraordinária da diretoria realizada no fim da tarde de terça-feira (5).
Esses valores, segundo a Anatel, são:
R$ 12,176 bilhões devidos pela Oi;
R$ 7,709 bilhões pela Vivo;
R$ 2,273 bilhões pela Claro;
R$ 275,3 milhões pela Algar Telecom; e
R$ 167,1 milhões pela Sercomtel.
Esses valores, caso confirmados, seriam transformados em obrigações de investimento no setor. Ou seja, não seriam arrecadados pelo governo, mas ainda assim teriam de ser desembolsado pelas teles para cumprir compromissos de investimentos definidos pela Anatel.
Mas a tendência é que os valores mudem. As operadoras ainda podem contestar a metodologia de cálculo apresentada pela agência. O Tribunal de Contas da União (TCU) também vai analisar o processo e pode pedir mudanças. Há, ainda, um processo de arbitragem em que as empresas pedem compensações (abatimentos) por prejuízos dos contratos.
O que dizem as operadoras
Sobre os números definidos pela Anatel na terça-feira, as operadoras Oi e Vivo, as maiores devedoras na visão da agência, fizeram algumas ressalvas.
“A Vivo recebeu com ressalvas os valores para a adaptação da concessão calculados pela Anatel, já que a valoração indica divergências em relação aos critérios adotados. De todo modo, a vivo aguarda que a metodologia da agência seja divulgada para a adequada avaliação”, diz a companhia em nota.
A Oi também disse que aguarda o detalhamento dos cálculos, mas ressalta que “a alternativa de mudança de regime deverá considerar necessariamente a atratividade para a adaptação por meio da definição do saldo em um valor justo e razoável, e respectivamente das obrigações a serem contratadas, de modo a restaurar a sustentabilidade da operação após a potencial migração de regime”.
O Oi lembrou, ainda, que a “mudança de regime é uma opção (não uma obrigação) prevista pela Lei Geral de Telecomunicações e que o contrato de concessão está vigente até 2025”.
Já a Vivo defendeu que o valor da arbitragem seja descontado do saldo de migração de contrato. “A empresa ressalta, ainda, que discute a insustentabilidade e o equilíbrio econômico financeiro da concessão em arbitragem. Esses valores devem ser compensados com o saldo da adaptação. Diante do cenário de questionável viabilidade da adaptação, a Vivo segue avaliando todas as opções para o fim da concessão.”
Arbitragem movida pelas operadoras
Além das ressalvas apresentadas ao saldo divulgado pela Anatel, as operadoras de telefonia fixa, com exceção da Algar Telecom, alegam que têm para receber R$ 36 bilhões da União por prejuízos acumulados ao longo do tempo de contrato.
Um processo chamado arbitragem foi movido pelas operadoras contra a agência. A possibilidade de arbitragem estava prevista nos contratos de concessão. Ainda não há decisão.
Pela decisão tomada na terça-feira pela agência, o valor resultante do processo de arbitragem será descontado do saldo devedor de migração do regime público para o privado.